domingo, 30 de janeiro de 2011

Muffins e Cora Coralina


Acabo de fazer uns muffins com uma receita da internet e resolvi tirar a foto logo. É que semana passada fiz uma tarte citron e nem deu tempo de fotografar... mais ainda vou fazer um post sobre patisserie... aguardem. Quanto aos muffins ficaram cheirosos e deliciosos, pretinhos...

Posto aqui a foto em homenagem a doceira e poetisa, a sábia moça, velha, velhinha velhíssima, da casa da ponte de Goiás. Fui ver uma exposição em sua homenagem no CCBB aqui no Rio. Vale a pena ver esta expo., apesar de que ela não ficou nem um pouco à altura da homenageada, devo dizer.

Faltou mais poemas e mais sensorialidade, ficou tudo muito fotográfico e cinematográfico. O que eram aquelas grades??? Por que o bordado num ferro e não no pano? Gostei da sala em que você se senta numa cadeira tipo de escola e tem que se inclinar para ouvir o poema "prato azul pombinho" como um segredo contado no ouvido. Isso ficou bonito. Mas me incomodaram as muitas vozes murmurantes, ficou tipo psicose.

Faltou também: um folder com a biografia e as obras.

Agora o que me incomodou mesmo foi um vídeo num telão, em que Cora aparece, bem idosa, discursando/declamando sobre vários temas. Um dos temas é o casamento (não aparece a pergunta, só ela falando). Ela diz que a mulher tem instinto maternal e que o casamento é importante para a mulher, etc. e tal. (É claro que, sutilmente, nesta fala, está sua crítica à família, pois ela diz também que é uma forma de libertação para a mulher).

Isto me parece uma grave distorção do essencial da mensagem de Coralina. Pois quem não tem nenhuma idéia sobre Cora, fica achando que ela era uma velhinha ultra-conservadora e não vê o quão revolucionária era uma mulher, nascida em 1889, que criticava a hipocrisia dos costumes vigentes e a educação rígida e o sadismo com que eram tratadas as crianças (e os negros), tema que aparece em vários de seus escritos. Então para terminar, deixo dois de seus poemas como contraponto. Quem quiser ler mais pode vistar a Casa de Cora Coralina.

MULHER DA VIDA

Mulher da Vida,
Minha irmã.
De todos os tempos.
De todos os povos.
De todas as latitudes.
Ela vem do fundo imemorial das idades
e carrega a carga pesada
dos mais torpes sinônimos,
apelidos e ápodos:
Mulher da zona,
Mulher da rua,
Mulher perdida,
Mulher à toa.
Mulher da vida,
Minha irmã.’

(Poemas de Goiás e Estórias Mais, p.201, 1996)


TODAS AS VIDAS

Vive dentro de mim
uma cabocla velha
de mau-olhado,
acocorada ao pé do borralho,
olhando pra o fogo.
Benze quebranto.
Bota feitiço...
Ogum. Orixá.
Macumba, terreiro.
Ogã, pai-de-santo...
Vive dentro de mim
a lavadeira do Rio Vermelho,
Seu cheiro gostoso
d’água e sabão.
Rodilha de pano.
Trouxa de roupa,
pedra de anil.
Sua coroa verde de são-caetano.
Vive dentro de mim
a mulher cozinheira.
Pimenta e cebola.
Quitute bem feito.
Panela de barro.
Taipa de lenha.
Cozinha antiga
toda pretinha.
Bem cacheada de picumã.
Pedra pontuda.
Cumbuco de coco.
Pisando alho-sal.
Vive dentro de mim
a mulher do povo.
Bem proletária.
Bem linguaruda,
desabusada, sem preconceitos,
de casca-grossa,
de chinelinha,
e filharada.
Vive dentro de mim
a mulher roceira.
– Enxerto da terra,
meio casmurra.
Trabalhadeira.
Madrugadeira.
Analfabeta.
De pé no chão.
Bem parideira.
Bem criadeira.
Seus doze filhos.
Seus vinte netos.
Vive dentro de mim
a mulher da vida.
Minha irmãzinha...
tão desprezada,
tão murmurada...
Fingindo alegre seu triste fado.
Todas as vidas dentro de mim:
Na minha vida –
a vida mera das obscuras.

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